Angola é uma nação antropológica?

 INTRODUÇÃO


Angola tem um passado curto, mas uma história longa, que remonta aos antigos reinos africanos. Com o expansionismo europeu os reinos de África foram dominados e reduzidos a simples colónias. Com a Conferência de Berlim, de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, marcando a colaboração europeia na partição e divisão territorial da África, organizado pelo Chanceler do Império Alemão, Otto von Bismarck, marcou-se diferenças que atolariam as nações e reinos africanos numa lama da masmorra cultural. 

A divisão territorial ali efectuada não respeitou as delimitações pré-existentes e foram unidas diversas nações diferentes para formar uma só colónia. 

Para sabermos se Angola é uma nação antropológica, devemos primeiro saber o que é uma nação, qual sua diferença com o Estado e quais são os elementos constituintes de uma nação. Depois, saber qual dos elementos pesa mais na definição de nação na perspectiva antropológica.

Apenas conceituando esses elementos poderemos responder de modo objectivo a questão que serve de título para este trabalho.

























 Definição De Conceitos

Nação


Nação, do latim natio, de natus (nascido), é uma comunidade estável, historicamente constituída por vontade própria de um agregado de indivíduos, com base num território, numa língua, e com aspirações materiais e espirituais comuns. Segundo Orlando Vitorino é "o conjunto das gerações ‑ passadas, presentes e futuras - que exprime‑se, existe e perdura na língua, na arte e na história."

Também podemos definer nação como sendo uma reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, falando o mesmo idioma e tendo os mesmos costumes, formando assim, um povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas características étnicas e se mantêm unidos pelos hábitos, tradições, religião, língua e consciência nacional.

Mas, a rigor, os elementos território, língua, religião, costumes e tradição, por si sós, não constituem o caráter da nação. São requisitos secundários, que se integram na sua formação. O elemento dominante, que se mostra condição subjetiva para a evidência de uma nação assenta no vínculo que une estes indivíduos, determinando entre eles a convicção de um querer viver colectivo. É, assim, a consciência de sua nacionalidade, em virtude da qual se sentem constituindo um organismo ou um agrupamento, distinto de qualquer outro, com vida própria, interesses especiais e necessidades peculiares, que os torna uma nação.

Nesta razão, o sentido de nação não se anula porque seja esta fraccionada entre vários Estados, ou porque várias nações se unam para a formação de um Estado. O Estado é uma forma política, adotada por um povo com vontade política, que constitui uma nação, ou por vários povos de nacionalidades distintas, para que se submetam a um poder público soberano, emanado da sua própria vontade, que lhes vem dar unidade política. A nação preexiste sem qualquer espécie de organização legal. E mesmo que, habitualmente, seja utilizada em sinonímia de Estado, em realidade significa a substância humana que o forma, atuando aquele em seu nome e no seu próprio interesse, isto é, pelo seu bem-estar, por sua honra, por sua independência e por sua prosperidade.


Historicidade Do Termo Nação


O termo, proveniente do latim, natio, era, inicialmente utilizado pelos estudantes das universidades medievais (em que se destacava a Universidade de Paris - Sorbonne), que se organizavam em grupos com esse nome, devido ao facto de terem proveniências diversas. Em cada nação, falava-se a língua materna dos estudantes, sendo estes regidos pelas leis dos seus próprios países.

Com o início das navegações no Atlântico e Pacífico por Portugal e Espanha, um novo desenvolvimento econômico surgiu na Europa. O modelo colonialista fez surgir os dois primeiros Estados fortes e coesos na Europa. Foi um grande momento de riqueza cultural que fez surgir o Renascimento. As universidades européias viram surgir muitas ideias e o Humanismo e o Iluminismo se tornaram as grandes correntes de contestação dos valores da Igreja Católica.

Com a decadência da Espanha e de Portugal no domínio da navegação internacional, Estados como a Inglaterra, Holanda e França começaram a participar de novas ocupações da América, África e Ásia. Estes estados tinham grande vinculação de seus monarcas e príncipes com os protestantes e por isso tinham pouco ou nenhum apoio da igreja de Roma. Desde então, o humanismo passou a ser o centro dos estudos sobre as relações entre o homem e a natureza.

Uma das primeiras obras que lançam luzes sobre este tema é o livro de Adam Smith publicado em 1776, A Riqueza das Nações, que apesar de utilizar o termo "nação" para designar as várias organizações humanas, não se debruça em uma categorização minuciosa, deixando aberta sua interpretação. A colaboração mais visível desta obra é a vinculação do termo nação à organização social necessária para a organização das relações econômicas entre as sociedades, ou seja, o Estado. Essa vinculação deu origem a uma corrente de pensamento teórico que sustenta o capitalismo.

Neste mesmo período, surgiram duas revoluções interligadas em vários ideais. A primeira foi a Revolução Americana de 1776 que, estando embasada na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Francesa lança a sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão onde o termo "nação" foi utilizado para identificar a reunião do povo para legitimar o novo poder e as novas leis que agora não adivinham de um poder monárquico legitimado por uma religião, mas sim pelo povo reunido pela sua autodeterminação. É nesta acepção política que emergem os Estados-nação na Europa e nas Américas.

Durante o Século XIX, as organizações humanas discutiram vários modelos de organização em todo o mundo e na Europa se fortaleceram Estados que mais tarde seriam consideradas as nações de origem de várias colônias pelo mundo, tais como França e Inglaterra. A Alemanha e a Itália passaram por diversas reformas e conflitos internos (Unificação Alemã e Ressurgimento) que resultariam em organizações políticas e territóriais com poder centralizador e uma organização do Estado unido pelo idioma e pela luta de mercados e unificações monetárias.

Ao final do século XIX e começo do XX, houve a expansão do Imperialismo que culminou com a Primeira Guerra Mundial. Este momento foi de grande apreensão sobre o que é o sentimento nacional, o Nacionalismo que levou a morte tantas pessoas e vários intelectuais publicaram estudos sobre o tema, tais como Lord Acton, Ernest Renan e Otto Bauer. Os países vitoriosos da guerra tentaram criar a Liga das Nações, o que futuramente, após novo massacre na Segunda Guerra Mundial, resultaria na Organização das Nações Unidas, a principal organização legitimadora dos Estados-Nacionais actualmente.





Estado E Nação


O Estado é uma forma política, adotada por um povo com vontade política, e a nação existe sem qualquer espécie de organização legal, apenas significa a substância humana que o forma, atuando em seu nome e nos seus próprios interesses.

O conceito de nação está relacionado com fatores políticos, culturais, sociais e históricos que agregam o sentimento de pertença dos indivíduos. Nação é um termo utilizado para se referir a um grupo de pessoas ou habitantes que compartilha de uma mesma origem étnica, de um mesmo idioma e de costumes relativamente homogêneos, ou seja, semelhantes entre os seus pares. Além de apresentar todos esses aspectos, uma nação para ser considerada como tal precisa agregar um sentimento de pertença ao todo desse grupo, ou seja, é preciso haver uma vontade por parte dos indivíduos em formarem uma nação.


Território


Para sustentar o andamento de uma nação, sob o ponto de vista cultural, os cidadãos adotam os mesmos costumes, os mesmos padrões morais que regem o que é certo e o que é errado, uma mesma religião e os mesmos hábitos sociais. Além disso, há sempre uma busca por uma coesão espacial ou geográfica, ou seja, uma constante procura para que os indivíduos de uma mesma nação se mantenham sempre próximos e unidos em um mesmo local. Para garantir essa união, as diferentes nações buscam consolidar os seus territórios a fim de assegurar a sua posse e a sua soberania. Mas o que é território? 

Território é um espaço delimitado e apropriado por relações de poder. O território político seria aquele em que há uma divisão estabelecida por direitos e legislações internacionalmente reconhecidas e que asseguram a autonomia e a soberania de um determinado povo. Assim, podemos dizer que um Estado (com E maiúsculo, diferente de estado, que corresponde a uma província), para se constituir, precisa estabelecer o seu território.


1.5 Várias Nações Em Um Estado

Dessa forma, podemos compreender que a grande maioria das nações  após o advento da modernidade e da difusão do modelo europeu de Estado por todo o mundo  passou a buscar a constituição fixa de seus respectivos países, que passariam a ser considerados como Estados Nacionais ou Estados-nações. Mas engana-se quem pensa que um Estado seja necessariamente detentor de um território em que se encontra apenas uma nação. Ao contrário, a maioria dos países agrega, em um mesmo território, várias nações, constituindo aquilo que se denomina por Estados multinacionais, a exemplo do Brasil, Itália, Espanha e Angola.

E é justamente esse descompasso entre Estado e Nação existente em diversos lugares que manifesta a maior parte dos inúmeros conflitos étnicos ou zonas de instabilidade política em todo o mundo. Um exemplo é a Espanha: esse país é composto por inúmeros troncos étnicos ou nações, algumas delas com fortes sentimentos separatistas, como os catalães e os bascos. Em outros casos, existem conflitos entre nações diferentes pela disputa de um mesmo território, como é o que acontece no conflito entre Israel e Palestina, que, é claro, transcende os valores nacionais e se estabelecem em razões geopolíticas.

Apesar de ser possível o estabelecimento de um Estado com múltiplas nações, existem aqueles que advogam a ideia de que um país deve ser mantido apenas por uma nação específica, ou seja, o Estado deve ser uma nação necessariamente. Esses são chamados de nacionalistas, que buscam garantir que uma nação seja sempre governada por um de seus membros, sempre a serviço de seus interesses específicos.


1.6 Concepção Antropológica De Nação


Actualmente, o conceito de nação inclui duas representações: a nação política, que se refere ao âmbito jurídico-político e à soberania que constitui um Estado, e a nação cultural, que é uma noção socioideológica mais subjectiva e que faz referência a uma comunidade humana com determinadas características culturais comuns. De qualquer forma, na linguagem quotidiana, a palavra nação é usada como sinónimo de país, território, povo e Estado, por exemplo.

A concepção cultural de uma nação indica que os seus membros têm consciência de que constituem um corpo ético-político diferente dos restantes, pelo facto de partilharem certas características (etnia, idioma, religião, tradição ou história comum).

Sempre que um Estado se identifica explicitamente como sendo o lar de uma certa nação cultural, fala-se da existência de um Estado-nação. Há Estados que, apesar das disputas e das contradições que implica esta definição, tentam legitimar-se desta forma.

Também há nações culturais que tentam definir-se unicamente por motivos de etnia ou de raça. Este facto leva a que existam numerosas nações sem território próprio, como a nação cigana, o que demonstra que nem todas as nações culturais constituem um Estado independente e que em todos os Estados independentes há nações culturais. Inclusive, existem nações que, com o passar dos anos, chegam a formar o seu próprio Estado, como é o caso do povo judeu, que constituiu uma nação cultural sem Estado próprio até 1948.











CONCLUSÃO


A Conferência de Berlim, também conhecida como conferência da África Ocidental ou Conferência do Congo, realizou-se em Berlim, de 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885, marcando a colaboração europeia na partição e divisão territorial da África.

Organizado pelo Chanceler do Império Alemão, Otto von Bismarck, o evento contou com a participação de países europeus (Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Rússia e Suécia) mas também do Império Otomano e dos Estados Unidos. O objetivo declarado era o de "regulamentar a liberdade do comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas ocupações de territórios sobre a costa ocidental da África".

Nesta Conferência mesclou-se nações culturalmente bem distintas (embora tivessem paradigmas semelhantes) para uma colónia europeia, o que gera até hoje muitos conflitos étnicos. Hoje verificamos que as diferentes nações amalgamadas em Angola são muito dicotomistas, pois restringem-se em certas coisas com indivíduos culturalmente diferentes, mas, ao estar perante seus patrícios, experimentam um grande senso de irmandade e coesão. 

Por isso vemos os Ovambos, Bacongos, Kwanhamas, Ovimbundos e outras nações residentes no interior de Angola criando fracções com os diferentes e fusão com os seus semelhantes ou homólogos, culturalmente falando.

Nesta pesquisa mostramos que nação é um termo oriundo do latim e descreve um conjunto de pessoas que habitam o mesmo território (ou sem território), têm os mesmos hábitos culturais, a mesma religião e são unidos por um sentimento colectivo de pertença, conhecido como nacionalismo. Mas, segundo pesquisamos, antropologicamente falando, o principal elemento unificador de um povo é o idioma.

Não existe relação interpessoal sem coesão idiomática, pois, mesmo entre pessoas que falam o mesmo idioma, pode-se verificar profundas rixas quando um não entende o sentido do discurso do outro. Agora imagine-se que consenso haveria entre pessoas que possuem idiomas diferentes? Assim, que sentimento comum entre um povo haveria se os seus membros constituintes forem falantes de diversas línguas? Não se pode formar uma religião comum ou construir hábitos simétricos em falantes de línguas distintas. 

O que pretendemos dizer aqui é que todos os elementos constituintes de uma nação ficam sem nexo eliminando simplesmente o idioma. Quando vemos um encontro de sulinos conservadores, a primeira coisa que evidencia-se é a ligação idiomática: eles começam a falar Umbundo. Quem for para os bairros Palanca e Popular e observar os congoleses neles residentes, verificará que, antes de qualquer outra forma de ligação cultural, utilizarão o idioma e, graças ao idioma, eles conseguem cruzar outros elementos culturais.

Assim, obrigatoriamente, uma nação só é uma nação quando todo o seu povo fala uma mesma língua, ainda que haja dialectos secundários que alguns elementos utilizem.

Logo, pelo simples facto de que Angola é constituída por uma diversidade de povos com culturas, tradições, costumes e territórios próprios bem como pelo facto de que cada um desses povos possui sua língua própria, Angola não pode ser uma nação antropologicamente. Por isso hoje Angola sofre vários conflitos étnicos e culturais, pois os diversificados costumes e tradições de cada uma das nações que a constitui são antagónicos uns aos outros. Assim, embora nosso hino nacional reze que somos um só povo e uma só nação, Angola é um Estado composto de várias nações culturais. Portanto, Angola não é uma nação!

Referências Bibliográficas


Cultura de angola (2021) retirado em 17.12.2021

Pt.wikipedia.org

Conferência de Berlim (2021) retirado em 17.12.2021

              Pt.wikipedia.org 

Magnoli, Demetrio. História da Paz. 

            São Paulo: Editora Contexto, 2008.

Nãção (2021) retirado em 17.12.2021

Pt.wikipedia.org


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